janeiro 10, 2007

Mata, que em teu verde és soberana

O lodo impregnado sobre a terra dura me fazia escorregar. Mesmo usando um calçado próprio para enfrentar esse tipo de terreno, era impossível ficar muito tempo sem voltar meus olhos para o chão, do contrário eu estaria fadado a escorreções e tropeços a cada metro.

No horizonte, por trás da espessa camada de nuvens, eu percebia que o sol nascia, iluminando com dificuldade tudo ao redor. As aves entoavam seus primeiros cânticos do dia, enquanto eu me preocupava em não escorregar ou tropeçar, na iminência de decidir se iria reclamar por ter levantado aquela manhã às quatro. Apesar das humidade do ar e das núvens, não ameaçava chover.

Comecei indo no meio do pelotão, tentando registrar alguma coisa com a máquina fotográfica, mas o ritmo da marcha não ajudava muito.

Tínhamos caminhado pelo menos uns cinco quilómetros quando fizemos a primeira parada. Aproveitei para algumas fotos da redondeza, e para registrar a equipe de malucos que decidiram atravessas a Serra do Mar a pé.

Continuamos, e pouco a pouco o terreno e a vegetação iam mudando de pequenos morros cobertos por grama e mato rasteiro, para montanhas cheias de árvores médias e grandes que me permitia enxergar nada além de alguns metros. Logo tive de começar a usar as mãos e braços para me desvencilhar de galhos e cipós.

Barrancos íngremes foram os próximos desafios. Me agarrava nos troncos das árvores pra não correr o risco de cair, mas os escorregões foram inevitáveis. Em vários trechos de um lado tinha uma parede de terra, raízes e rochas, e do outro uma ribanceira com mais de vinte metros. Uma descuido e eu me veria caindo, rolando, batendo em tudo até parar lá embaixo junto às pedras, ou no meio do caminho, enrroscado em alguma árvore.

Chegamos à primeira cachoeira. O relógio marcada vinte para as nove. Parada para o café e reabastecer os cantis com água fresca (sem eufemismos). Uma leve chuva começou a cair enquanto se decidia que caminho tomar: continuar pelas montanhas ou seguir pela corredeira. O caminho mais rápido, porém mais perigoso foi a escolha da maioria. Depois de quinze minutos partimos através das pedras que formavam o leito da cachoeira.

Alguns metros mais abaixo se forma uma cachoeira de pelo menos cinco metros de queda livre. Depois de um tempo seguindo a água, deixamos a margem e subimos o morro para ganharmos tempo. Mais um morro, e um plano nos permitiu descansar as pernas enquanto caminhávamos em linha reta.

Antes de enfrentarmos a última parte da travessia, por caminhos íngremes em descida, fizemos uma longa parada para recuperarmos o fôlego e darmos descanso às pernas já cansadas e pés já machucados depois de pelo menos quatro horas de caminhada.

Descida após descida intercalada por alguns morros, íamos percebendo mais uma vez a mudança no tipo da vegetação que passava de mata fechada com diversas árvores, para árvores mais espaçadas e folhagens tipicamente de terrenos húmidos cheios de turfa. Descemos por mais de uma hora até termos que subir um bom trecho até aquela que seria a última descida. Do alto podíamos ver ao longe o mar e a ilha, a praia e os prédios.

Mais uma vez nos embrenhamos pelas árvores, cipós e folhagens ladeira abaixo. Bambus começavam a fazer parte do cenário enquanto ouvíamos ao longe o som do rio. Pouco mais de uma hora descendo chegamos a um riacho. Ali descansamos mais alguns minutos e nos reabastecemos de água. Aproveitei para me refrescar molhando os braços e encharcando os cabelos.

Um último empenho até o rio através de um terreno arenoso e húmido cheio de plantas de folhas grandes e algumas árvores nos era requerido. Depois de seis horas caminhando, isso não seria problema. A forte correnteza e o piso pedregoso do rio dificultava a travessia. Pé-ante-pé, centímetro-a-centímetro chegamos à outra margem. Seguimos até o ponto final de nossa viagem numa estrada próxima a outro riacho com belas corredeiras e pequenas piscinas naturais, e quinze quilómetros de bananeiras por todos os lados.

Finalmente chegamos à reserva indígena aos pés da Serra do Mar. Uns foram se banhar no rio, outros simplesmente deixaram-se cair no chão vencidos pelo cansaço ou pelas dores. Rapidamente liquidamos com o que restava da comida, enquanto esperávamos o transporte que levou mais algum tempo para chegar.

Voltando para casa, o cansaço só era vencido pela alegria de ter desbravado tal desafio: cruzar à pé a Serra do Mar, da cidade de São Paulo até Itanhaém.

Cansado, sim.
Arrependido, nunca!!!